terça-feira, 28 de agosto de 2007

Sobre o tom da noite

Nem mesmo as nuvens encobrindo a lua, naquelas noites serenas e sombrias, quando podemos imaginar morcegos e bruxas cruzando os céus em vôos rasantes, nem mesmo a ventania que precede a garoa que insiste em cair nas tardes de terça-feira durante o outono, nem mesmo a chuva torrencial que cai na madrugada enquanto corações aflitos deixam seus cérebros descansarem e passam a sonhar novos filmes que nunca serão filmados, nem mesmo o vapor que sobe pelo bueiro trazendo o cheiro obscuro de esgoto que a cidade finge não sentir, nem mesmo a fumaça do cigarro, o seu cigarro, que você ascende nas noites que quinta e fica a fumá-lo em frente a janela, enquanto a luz do abajur à sua direita lhe ilumina e traz à minha vista o contorno perfeito do seu corpo num tom cor de mel, e então você vira e diz que o céu está lindo e me convida para ver as estrelas e a lua, e eu vou, coloco um cd de jazz para embalar a noite e colo meu corpo ao seu, fitando o luar, a vista do seu apartamento faz os prédios ao redor parecerem meras casas, e começamos a nos beijar, beijos selvagens, que terminam na cama, corpos unidos, o vai-e-vem do seu quadril, à meia luz. E depois, enrolada no lençol, volta à janela e ascende outro cigarro, olha a lua, olha os prédios, pede pra eu ficar, digo que tenho que ir, “acordo cedo amanha”, insiste, faz beicinho, amolece meu coração, e eu, como todo homem, não me deixo abalar, mas fico, troco o cd, rock retrô, continuamos e vamos até a calada da noite, acordo lá, envolto em um lençol branco de algodão, com seus beijos, trazendo-me o café da manhã numa bandeja com frutas, biscoitos e suco de laranja, “estou atrasado”, ela me beija e diz “tudo bem”, então num súbito ataque de consciência olho para ela e digo “atrasado pero no mucho”, e ela ri, covinhas nas bochechas, e volta a me beijar, esquecemos do café, do almoço, do jantar, da janela, dos prédios, das estrelas, do luar, do mundo, esquecemos de tudo, somos só dois apaixonados.


Ricardo Schneider, vinte e 8 de agosto de 2007

3 comentários:

Anônimo disse...

DUCA!!!

Vivi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

bem... fui apresentada a este blog e realmente este texto em especial é fantástico e dispensa qualquer comentário adicional...

eh a transcendência de um relacionamento!