sexta-feira, 4 de abril de 2008

Grandes Delitos e Outros Acasos

A felicidade na sala ao lado. Um esqueleto de bolsos vazios conta moedinhas. Flores mortas e incenso. Mais alguns quadros. Tulipas, hortênsias.
Também são flores. Nove rosas vermelhas ao léu, e o vento soprando em seus cabelos. Sol a pino e o mar.
- mar? mas aqui não tem mar!
Sempre tem. As ondas, a orla, os biquínis. Outras formas de se ver. Assim eu fui levando a vida até 1996.
Em 94 eu explodia bombas ao meu redor enquanto Baggio errava o pênalti. Dois anos depois eu já estava grande o suficiente para perder meu próprio pênalti sozinho. E continuei errando.
Corria sempre, sem parar. Corri para o esgoto e encontrei os ratos. Foram eles que me ensinaram o prazer – grande erro – de revirar lixo. Bebi muito chorume em cristais de luxo. Fiquei a um passo do mar, salmão e outras coisas cínicas – e ortodoxas – mas preferi o Leite Moça, mamado na lata.
Comecei a lamber saibro no começo do século e só parei quando não havia mais grãos. Os martelos batiam sem parar. Levei várias marteladas. Uma me atingiu as pernas, fiquei paralítico. Um efeito inevitável é o inchaço. Foi quando vieram os livros. Primeiro um, depois o outro, até ninguém saber mais o que era o que. A ficção vira realidade. A realidade vira ficção. E eu virei o quê?
- como é que se chama aquilo?
“Aquilo”. É, talvez eu tenha virado “aquilo”.
Em 89 quebrei minha primeira gaiola com a cabeça. Ano passado quebrei outra. Um inferno a olho nu. Outro candidato em potencial. Minha mente devassa meu ser. A ignorância dá tchau com ar nostálgico.
- hablas español?
Hablei. E continuei pregando faixas em muros de concreto. O mais alto que minha cadeira de rodas conseguia chegar era baixo demais. Desisti do Leite Moça e passei ao Chicabon. Me diplomei em decepcionar os outros. Caguei pra Shakespeare e Graça Aranha. Virei filósofo sem ler Nietsche.
Uma bomba relógio ou uma máquina do tempo. Tanto faz. Vai demorar pra que tudo exploda do meu jeito. Como em 94. Como quando quebrei as gaiolas na cabeça. (Ou será que elas é que me quebraram?).
Em 1987 eu me perdia de mim mesmo. Nove rosas vermelhas me (re)encontraram.

Ricardo Schneider

Um comentário:

Anônimo disse...

é, talvez seja um texto genial. Talvez, Ou então. Tanto Faz