domingo, 8 de junho de 2008

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- Vai sair nesse frio?
Isso era o tipo de coisa que me deixava irritado. Nada contra sair no frio, mas a pergunta em si me arrependia profundamente de já não estar lá fora. Não era uma pergunta normal, como ‘acompanha fritas?’ ou ‘e ai, comeu?’. Não. Essas perguntas são corriqueiras e por isso, vindo deles, não fazem a menor diferença. O que me acalma, todavia. Acalma não fazer diferença. Mas a pergunta em questão tinha outra intenção.
- Vai sair nesse frio?
O frio gelava mais lá fora que aqui dentro, o que pode parecer natural, e de certa forma é, porém a temperatura aqui dentro era baixa, muito baixa, e o fato de lá fora ser mais frio que aqui dentro me fazia pensar que eu teria sérios problemas caso colocasse os pés do lado de lá da porta.
Aquela porta estava velha, é verdade, e caindo aos pedaços, o que a fazia quase parte da família. Não fosse o fato dela ainda poder permitir ou proibir a gente de fazer algo, no caso passar. Mas ela só fazia isso com a ajuda de alguém que a fizesse abrir ou fechar, o que a tornava novamente um membro da família. A manipulação, a dobradiça.
- Vai sair nesse frio?
Vô, vô. E não me encha o saco, porra! Era isso que eu queria ter dito, mas, obviamente não disse. Em parte por que eu não sou de me deixar levar pelos sentimentos com esse pessoal, e em parte porque eu não tava com saco pra dizer nada. Porque é sempre assim que acontece, a gente tenta fazer algo, mas não consegue fazer sem que tentem impedir. Geralmente é com palavras. Geralmente são eles. Geralmente não conseguem. Mas geralmente é aqui que tudo começa.
- Vai sair nesse frio? Tô falando com você!
Assim que você perde o respeito por si próprio, passa também a não respeitar os outros. E nada do que digam ou façam pode mudar sua opinião e seu modo de agir, falar e ser. Pelo menos era isso que eu achava que aconteceria quando eu passasse por aquela velha porta podre de madeira. Mas ela precisava ser aberta, e alguém tinha de fazê-lo. Óbvio que fui eu. E óbvio que eu queria levar a porta embora comigo para que aquele vão não se fechasse enquanto eu estivesse fora. Mas a dúvida em saber se ela estaria aberta ou fechada quando eu voltasse (se é que algum dia eu iria voltar), isso me excitava.
Resolvi deixá-la ali.
Eu agora queria era conhecer o mundo. Eu agora queria era viver pra mim. A vida começava a ser a minha mais nova namorada, e nossa paixão estava em chamas. Ardendo ao som de um velho blues.
- Vô sim, vô sim.
Eu podia. Eu fui...

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