sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Tambor d'alma

Um dia você acorda e percebe que não virou uma barata. E talvez seja esse o problema, visto o estado deplorável em que se encontra. Olha para as paredes como se elas pudessem resolver o problema fazendo o que melhor fazem, trancando-nos em um quarto mal iluminado pela luz do dia. Toim, toim, toim! A cabeça não para de martelar a lembrança de ontem à noite. Lembrança ou o que restou dela. Memória alcoólica é assim mesmo, sempre falha. Confiável como uma...como uma...sei lá. Difícil confiar em alguém hoje em dia. Eu queria mesmo é ter asas. Poder sair voando por aí. Flanar é bom, mas o chão é duro. O ar não. O ar é bom. Eu gosto dele. Eu gosto de outras coisas também. Mulher. Gosto de mulher. Gosto bastante, inclusive. Bebida também gosto. E, modéstia parte, mando bem. O problema da bebida é que ela sai do corpo, e vai embora levando a alucinação ralo abaixo. Deixa só a amnésia, e essa dor insuportável na cabeça. Toim, toim, toim! Tem um esgoto aqui por perto. Arroio, esgoto, sei lá, tudo a mesma bosta, literalmente. Fede, e não é pouco. Essa janela aberta não colabora muito com minhas narinas. Ainda sinto vontade de vomitar. Talvez seja o cheiro. Ontem eu sentia o mesmo entre uma dose de uísque, caipirinha, cerveja e sei lá mais o qu’eu bebi. Toim, toim, toim! Tudo está tão quieto. Só essa batida infernal dentro da minha cabeça. Toim, toim, toim!
Que ótimo, agora o sol resolveu invadir meu travesseiro. Toim, toim, toim! Viro pro lado. Maldita claridade. E esse calor. Deve ser tarde. E deve ser domingo. Se for domingo eu vou...como é mesmo o nome dela? Eu vou ver aquela morena. Dela eu lembro. Difícil esquecer uma morena de olhos claros. Ainda mais quando ela está dançando em cima da mesa do bar. Se hoje for domingo vou fazer uma visitinha. O foda é que meu calendário não acompanha esse calendário gregoriano. Meu calendário não tem grade fixa. Um dia pode ser terça, o outro sábado e então segunda. Tudo depende. Depende do que? Depende de mim. É, hoje é domingo. Vou visitá-la. Toim, toim, toim!
A cabeça já não dói tanto. Lembrar dela me fez sentir melhor. Só sinto calor. E agora uma vontade desgraçada de cagar. É esse cheiro. Toim, toim, toim! Que merda é essa? Já nem sinto dor e fica esse barulho no meu cérebro. A não ser que seja...droga! É o despertador. Que péssimo modo pra acordar. O problema dos despertadores é que se eles não nos acordam, eles nos matam aos poucos. Acordar num domingo com o despertador não vale a pena e dá muito trabalho. Mas é domingo só pra mim, pelo jeito. E pelo jeito, a não ser que o mundo resolva viver a vida na maior curtição, eu vou ter que trabalhar. E o pior: tô atrasado. Droga. Queria ter asas. Queria ter asas pra não precisar enfrentar a rua logo de manhã. E chegar mais rápido onde quer que eu fosse. Um dia você acorda e percebe que não virou uma barata. E percebe que é esse o problema.


Ricardo Schneider, aprendendo com os erros e às vezes acertando em cheio, voltando aos poucos, 25 de janeiro de 2008

Um comentário:

Anônimo disse...

Bom saber que as pessoas aindam se importam com o brogue.

E o tambor d' alma seria o estopim do coracion?

Ate Segunda!